segunda-feira, julho 13, 2009


O Tio Jacinto

O Ti Jacinto tal como lhe chamam lá na terra ex trabalhador agrícola, chamado agora de rural, teve uma vida inteira com trabalho de sol a sol ou de chuva a chuva consoante a estação climatérica dos pobres.
Em todo o tempo que trabalhou teve uma subalimentação exagerada e uma enxerga para lhe alimentar um fraco repouso de algumas horas diárias.
Claro que com estas condições de vida o Ti Jacinto teve direito a conquistar algumas mazelas que hoje se tornaram em doenças quase incuráveis, mas que têm que ser debeladas e combatidas pela assistência médica.
Como o Ti Jacinto não tem posses para pagar as consultas da medicina privada, tem de recorrer aos serviços médicos da Caixa.
Bem, outro problema surge aí.
Ora vejamos.
O Ti Jacinto tem uma magra pensão através duma casa do povo lá do Alentejo; como tal, tem direito a assistência médica através do posto médico da Caixa de Previdência.
O Ti Jacinto por afinidade, tem também uma angina de peito, pois sofre do coração (a velha máquina não cuidada devidamente)
Por conseguinte depois de marcar a respectiva consulta tem que esperar oito (8) meses pela sua vez.
Mas ele está bastante mal.
Tentou dizer que não suportaria tanto tempo, mas não valeu a pena, porque nestes casos só com…bem…adiante
Neste momento, pelo que sei, o Ti Jacinto não poderá esperar oito meses até ser atendido pelo médico. Infelizmente acho que não.
Digo isto porque vejo como este pobre homem está. Entretanto o Ti Jacinto enquanto espera pela tal consulta, arrasta os seus dias numa barraca que lhe serve de albergue, a qual ele próprio construiu (mal já se sabe, pois tudo custa dinheiro) barraca essa que serve apenas para não apanhar o sol de torreira no verão e no inverno não se molhar todo, logo de uma só vez. Resumindo, tem muitas frestas.
O Ti jacinto ergueu a barraca sobre um terreno abandonado ou esquecido por alguém, que nem sequer sabe que o possui, ou se calhar ainda não sabe que lhe calhou como herança. E se vier a saber que é seu, é capaz de mover uma acção de despejo contra este pobre homem. E para o despejo lá vem a tal polícia impolítica, de bastão, escudo, viseira, capacete e tudo. Enfim um montão de mercenarice
E contra isto “batatas”, porque o dono do terreno não tem culpa, que ele lhe tenha saído na "rifa" e que ande por aí ao Deus dará e que seja um pobretana qualquer.
Eu sei que vão perguntar: Então o Ti Jacinto não tem família?
Não! Ele não tem ninguém.
Mas amigos, a desdita de um homem que atinge a velhice neste País, não acaba aqui; pois ele vê sucederem-se os dias com tristeza e desalento que vão desde a amargura ao desânimo.
Agora que já não pode trabalhar, pois a sua capacidade física foi há muito esgotada e por bom preço, ele recebe todos os meses uma pensão de reforma lá da tal casa do povo do Alentejo. Pensão essa que lhe garante 150 Euros mensais. Portanto dividindo os 150 Euros por 30 dias fica com uma diária de 5 Euros (1000 escudos à moda antiga) o que dizem alguns senhores não ser nada mau.
Bem além de ter que se alimentar com esses 150 Euros mensais ele tem também que se vestir e como não paga renda da casa por enquanto só tem que dividir o dinheiro com o vestuário e a alimentação.
Mas digam-me, não é arrepiante conhecer um caso como este?
Quanto à alimentação é que é pior porque os alimentos de vez em quando, por conta da crise, sobem uns 20 a 30 por cento e os 150 Euros parecem eternos.
Mas adiante…
No que concerne ao vestuário o ti Jacinto tem um fato que lhe deram aqui Há uns anos e como é bastante grosso ainda vai durar uns tempos...
E como o Ti Jacinto já tem 70 anos e estas condições de vida...
e como está doente... e como só tem médico na caixa daqui a oito meses... talvez o fato vá dando. O pior…
Bem o pior será o dinheiro para o funeral…
A não ser que o governo quebre o enguiço das nacionalizações e nacionalize os cangalheiros ou faça cumprir o Serviço Nacional de Saúde.
Ou então o Ti Jacinto dure oito meses e se cure.
Ou então…
Ou então…
Ou então…
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Nota triste:

Passaram apenas 7 meses.
A crise, com o seu aumento do custo de vida, acelerou a sua marcha.
O Serviço Nacional de Saúde nunca foi cumprido.
Os 150 Euros mantiveram-se severos e serenos.
O tal dono do terreno descobriu que ele era seu.
O despejo já tinha data marcada pois a polícia de choque estava prevenida
O Ti Jacinto morreu….
Não houve luto nacional
As agências funerárias não foram nacionalizadas.
Um grupo de moradores fez uma colecta.
Deu para o caixão.
Mas exigiram um epitáfio.
Diz lá na campa:

Lutemos pela dignidade humana!
Para que
Não hajam mais
Ti Jacintos neste País!

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